Para Bartira e Noee
A bordo de uma nau improvável, projeto de um sonhador, zarpamos da marina de Camdem. São 3 da tarde.
O intrépido marujo ata e desata
cordas e faz soar o apito. Estamos de partida.
Nas margens, os olhares se voltam
para nós. Sentada no velho sofá que outrora ornamentou a sala de alguém, aceno
para os transeuntes quase me sentindo uma rainha. O verde outrora brilhante do
sofá se acomoda na plana balsa de tosca madeira. Os mais curiosos lançam-me a pergunta:
“Você quem fez?” Compenetrada, aponto o nosso comandante.
Entre goles de vinho, fragmentos
da metrópole desfilam ante nossos olhos incrédulos. Um bêbado tenta embarcar e
nos mostra a língua ao ser impedido; namorados se beijam quase ocultos pela
vegetação da margem; corredores ofegantes em constante luta para manter a boa
forma; noivos em brinde e juras de amor eterno (nas fotos do álbum aparecerá a
nossa nau); ciclistas e seus cachorros compenetrados; desconhecidos que acenam.
O vôo inesperado do cisne branco
em nossa direção nos tira o fôlego.
Mais adiante o desafio do longo túnel escuro. A jovem amiga do capitão equilibra-se na proa com uma longa vara nas mãos para orientar a navegação e evitar abalroadas nas velhas paredes úmidas. Inscrições e grafites surgem ao serem alcançados pelos refletores improvisados. Longos minutos de escuridão até que a luminosa saída se aproxima.
A meio caminho nosso comandante
troca seu traje informal e a indefectível boina pela indumentária de um velho
marinheiro saído de um romance de Jorge Amado. Aperta a buzina do seu
barco-teatro ao se aproximar do destino final.
Após três horas de jornada e
quase uma dezena de eclusas para abrir e fechar, o barulhento motor silencia. No
porto, o capitão é saudado por outros velhos marinheiros e seus cães de
estimação. A noite se avizinha. Abotoamos nossos casacos e caminhamos sob a
chuva fina peculiar no entardecer londrino.
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